“A parte que falta” e “A Parte que falta encontra
o grande O”, ambos de Shel Silverstein, são livros infanto-juvenis (e para toda
a idade) que tocam, pois tratam da natureza humana, da nossa incompletude e da
nossa busca por plenitude, chamando-nos ao autoconhecimento. É de se supor que
pais que tenham esta preocupação consigo favorecem maiores oportunidades aos
filhos de se autoconhecerem também, o que é fundamental ao seu pleno
desenvolvimento como apregoam tantas pesquisas. Além disso, são livros que
chamam ao diálogo e várias questões podem ser trabalhadas de acordo com a idade
do filho. Ajuda ainda a perceber a compreensão da criança para a mensagem, identificar
as suas “faltas”, ajudá-la a lidar com elas, perceber como estão suas
habilidades sócio-emocionais entre outras, além de muitas vezes nos surpreender
com suas deliciosas interpretações, que mostram bem que o menos é mais. Ai as
crianças! Como ensinam! Mas voltemos aos pais.
“A parte que falta” foi primeiramente lançado em
1976, mas inquietou a muitos, graças à Companhia das Letrinhas que o relançou
este ano e ao vídeo cheio de vida da youtuber Jout Jout. Ouvi jovens, adultos,
crianças comentando o livro aparentemente simples no texto e nos desenhos. Como
se o autor não quisesse nos distrair com detalhes, mas sim nos fazer rolar
junto com a personagem, que afinal rola para dentro de si e nos leva junto,
fazendo brotar indagações de autoconhecimento na revelação enigmática da
mensagem. Nele, a personagem é como uma pizza faltando um pedaço que rola em
busca desta parte que falta. Interage com o meio, aprecia o entorno e até elege
alegrias, enquanto tenta ajustar-se às partes que parecem ser a parte que falta.
Mas elas sobram, faltam, sufocam, quebram, limitam, não encaixam. E, quando
parece ter encontrado a parte perfeita, a “pizza” plena passa a sentir falta da
vida, de seu ser e da sua falta. Então, coloca com cuidado a parte no chão e
segue a rolar em busca da parte que lhe falta. Não, não tem um final feliz. E,
talvez por isso, fiquem a ecoar em nós as tantas perguntas: Falta em mim? O que falta? Por que
falta? Como falta? Deve faltar? Fico com a sensação de que a falta nos move e
nos faz avançar. Mas, até que ponto nos falta o que cremos faltar?
Perguntas que nos levam, também, ao
autoconhecimento na relação com os filhos. Escuto mães dizendo: “Meu filho é
minha vida!” “Meu filho deu sentido à minha vida.” “Meu filho me completa!” É
bonito, mas será saudável e justo fazer do filho a parte que nos falta e
moldá-lo para tal? Será que o meu filho quer ser a parte que me falta e me completa?
Ou será melhor que ele seja inteiro? E eu?
E é esta a reflexão, ser parte ou inteiro, que me
tocou em “A parte que falta encontra o grande O.”, lançado em 1984. Afinal, a
ideia do outro ou de algo a nos completar é mais antiga que Cristo e está
incorporada em nós pela cultura. Aprendemos a buscar a nossa metade, a achar a
tampa da nossa panela, a fazer do filho uma parte de nós ou o todo de nós. E o
livro trata bem esta questão: a ideia da união de inteiros e não de metades.
Acho que vale pensar. Neste, é a parte que sente a falta e na sua busca
encontra a “pizza”, agora um círculo completo. A parte crê que encontrou o seu
complemento e quer rolar com o círculo. Mas este a nega pois já se encontra
completo. Sugere, então, num diálogo cru(el) e de impacto, que o pedaço role sozinho.
E assim a parte segue, aos trancos e barrancos, arredondando suas arestas com
esforço e determinação, até que rola por si, tornando-se livre para rolar junto sem precisar rolar com. E
assim seguem ambos inteiros rolando juntos num final bem mais feliz.
Resumindo em uma palavra, eu diria que um livro é
PIECE e o outro PEACE. O primeiro trata de PIECE (pedaço), e nos faz refletir o
que falta, seja em relação a nós, aos filhos, a outros, a objetos, a desejos
diversos. Já o segundo, remete-nos a PEACE (paz), estado que nos permite sentir
a completude, ainda que nos falte, mas que nos faz cientes de que cabe a nós
completarmo-nos. Creio que só assim poderemos em todos os nossos papéis rolar
junto sem precisar rolar com, o que propicia relações mais saudáveis e de
desenvolvimentos. E creio que só assim poderemos ajudar nossos filhos em suas
faltas e completudes: rolando e ensinando a rolar junto, sem rolar com.
Dito tudo isso, como explorar estes livros com a
criança ou adolescente? Leia, escute, indaque, leve seu filho a pensar sobre o
livro, sobre si e sobre o que pensa, sente e age: O que é a parte? O que falta? O que está
por trás da falta? Traga exemplos do seu cotidiano como a falta daquele
celular, tênis ou jogo que todo mundo tem menos ele. Ou faça uma analogia com
os amores, amigos, manias. Como eles completam? Por que completam? Deveriam? E
deixem fluir perguntas e respostas que lhe tragam informações importantes para
ajudar o seu filho a constituir-se por inteiro.
No próximo post, trarei sugestões e cuidados fundamentados
no desenvolvimento da criança e adolescente para proporcionar ao seu filho uma
rica experiência de leitura e autoconhecimento com a ajuda dos livros
infanto-juventis.
Boas leituras! Continuemos a rolar.
Uau!
ResponderExcluirTenho a impressão de que nem preciso ler os livros, depois desse texto que parece já ser completo - não lhe falta nada! ;)
Mas fiquei com vontade de fazer o que você sugere no final: vou comprá-los pra ler para minhas filhas. Certamente teremos conversas muito ricas!
Obrigada pelo texto e pela sugestão!
Beijos!