31 de jul. de 2014

110. EDUCAÇÃO PELO MUNDO VII: Cultura da confiança: Um sonho possível?

Alunos de 14 anos apresentando-nos o sistema educacional.

Em minha pesquisa, in loco, sobre o sistema educacional finlandês, fiquei encantada com a cultura da confiança. Os finlandeses confiam muito neles mesmos. A nação confia nos municípios que confiam nas escolas, que confiam nos professores, que confiam nos alunos. E os pais confiam em seus filhos e no sistema educacional. Não há supervisão se as escolas usam corretamente o dinheiro pedido. Não há sistema de avaliação nacional para verificar se as escolas estão realmente educando seus alunos. Não há supervisores observando se os professores estão de fato trabalhando. Eles conhecem a sua responsabilidade e têm autonomia para fazer com que os alunos aprendam. Não há bedel  de olho no aluno. O aluno é responsável pelo seu estudo e sua aprendizagem. Inclusive, ser aluno na Finlândia é visto como profissão e é levado bem a sério, também pelos pais que colaboram para o desenvolvimento dessa aprendizagem, sem chantagens e sem premiações. 
Quando foi perguntado a Mikael Flemminch, representante do Conselho de Educação, o que faziam quando esta confiança era quebrada, ele riu. Pois esta confiança não é quebrada. Esta é uma verdadeira lição às escolas e aos pais: quando se dá liberdade com uma boa formação à autonomia e à responsabilidade,  e dá o voto de confiança àquele que a recebe, pode se ter certeza que haverá frutos. Afinal, o que de fato ensina uma supervisão (um super olho) a cada passo dado? Orientar sim, oferecer apoio, confiar na orientação dada e naquele que a recebe. Quer apostar como dá certo?
Mas alguém pode dizer: Mas aqui na cultura da desconfiança????
Há 25 anos, em minha primeira experiência como professora de Fundamental I, recebi a seguinte instrução da Diretora que me contratava: “Quero que você desenvolva nos alunos a responsabilidade e a autonomia. Para isso, você terá liberdade para desenvolvê-las em si mesma, pois só ensina o que se tem. E saiba que estaremos aqui para quando precisar, para quando não souber o que fazer, para quando se perder, se achar ou quiser compartilhar.” Confesso que eu tinha a maior motivação para fazer o melhor trabalho que eu poderia. Sentir a responsabilidade da confiança e saber-se livre para criar, ousar, conhecer, estudar fez toda a diferença. Esta escola foi uma faculdade para mim. Não só como professora, mas também depois como mãe, onde verifiquei que a cultura da confiança é possível. Afinal, a cultura também somos nós que a fazemos.

25 de jul. de 2014

109. EDUCAÇÃO PELO MUNDO VI: A educação na Finlândia


 Prá quem acha que Finlânida é sinônimo de Papai Noel, Nokia e Angry Birds, pode ampliar a sua visão. É também a terra da educação de sucesso. Uma das melhores do mundo. Mas como?
A Finlândia foi destruída com a guerra, tornou-se independente há quase 100 anos, com uma população pobre e carente de estudos. É quase uma ilha, é bilíngue (Finlandes e Sueco) e tem um clima bastante cruel. Como conseguiram fazer diferença com tal perfil? Vamos em partes.
Em seminários com representantes do Conselho Educacional Finlandês, sob a chancela do Ministério da Educação e Cultura,  percebe-se que o sistema educacional é bem descentralizado. O Ministério da Educação traça as políticas educacionais e o enxuto Conselho Nacional de Educação coloca-as em prática. Elabora as diretrizes curriculares, que são adaptadas pelos municípios de acordo com sua realidade. As escolas adaptam-nas às necessidades locais, assim como os professores de acordo com a realidade e as necessidades dos alunos. O Conselho ainda, em amplo diálogo com as escolas, levanta dados (dos alunos, dos professores, dos métodos, dos problemas), analisa-os, compartilha com todas as escolas em busca de rápidas soluções. São cientes de que a educação deve ser cuidada no agora, mas também para um futuro, e para isso é preciso saber prever e resolver problemas. Levantam então as habilidades e competências atuais e as que se farão necessárias e traçam mudanças. Nota-se a ênfase dada à metacognição, à resolução de problemas e tomada de decisões, à criatividade e inovação, à colaboração e negociação, à cidadania e responsabilidade, às novas profissões, à comunicação em diversos idiomas, dando recursos para o desenvolvimento integral do aluno, abrindo-lhes portas de oportunidades sem fronteiras. E a educação funciona, pois há uma cultura da confiança onde todos são educados para trabalharem com liberdade, responsabilidade e autonomia em prol de um bem comum. Não há barganhas, não há falcatruas, não há supervisão. Há solução em todos os setores da sociedade. Cada um reconhece o seu papel e faz.

Claro que estamos falando de um  país com um pouco mais de 5 milhões de habitantes, com uma sociedade que prima pela igualdade, por desenvolvimento de mundos e gentes e que investe a longo prazo. Desde a década de 60, a educação básica é gratuita e obrigatória, e a partir da década de 70, o grau de mestre, a todos os docentes, tornou-se requisito mínimo necessário. O professor é muito valorizado e respeitado, e formado para ser consciente do seu papel social e da grande influência nas gerações futuras. Já o Brasil tem mais de 200 milhões de habitantes, a educação não é valorizada, temos uma cultura imediatista, oportunista e da vantagem, o que dificulta mudanças e implementações de ideias. Mas é possível mudar? Sim. Basta olhar os finlandeses. Resgataram a auto e heteroconfiança, educam bem o seu povo e com fortes princípios, não se acomodam, traçam sempre novas metas e com atitude as alcançam. Ficam aí as primeiras lições. Aguardem as próximas.

15 de jul. de 2014

108. EDUCAÇÃO PELO MUNDO V: Uma aula no Balé Bolshoi.

Credito: Reuters: Denis Sinyakov

Em Moscou, tivemos o privilégio de assistir uma aula em uma das mais antigas e prestigiadas companhias de dança do mundo: Companhia de Balé Bolshoi. Nela, os meninos, escolhidos a dedo, ficam dos 10 aos 18 anos, com disciplina, treino e vida digna de seus espetáculos. Entre eles estava o brasileiro Soares, cheio de sonhos, planos, determinação, consciente e agradecido por ser um privilegiado pela oportunidade. A aula aconteceu no teatro da escola. No grande palco cerca de 10 garotos esguios com cerca de 17 anos  aqueciam-se nas barras, com malhas que delineavam os perfeitos músculos.  Seus movimentos eram leves, limpos, graciosos e precisos.  Logo adentrou o professor, vestido de terno e gravata e se colocou na plateia dando o primeiro comando enquanto tirava o paletó. Era amável, doce, suave, mas também rígido e direto. Com os meninos já aquecidos, deu-se início pelos movimentos básicos, que iam tornando-se mais complexos conforme a perfeição dos movimentos. Assim, como deve ser a boa aprendizagem. O professor não poupava críticas nem repetições. Era claro, que ali não havia um grupo, mas uma equipe. Se um errava, a bronca era nomeada, mas todos repetiam. Aos poucos, e de forma bem dinâmica, foram fazendo movimentos em dupla, trios, quartetos, numa coordenação e velocidade que nos tirava o fôlego. Que seja assim também em nossas salas de aula.
Que privilégio! Que aquecimento, riqueza e aprendizado à alma, à educação e aos sentidos! Saí leve, dando piruetas no ar.

11 de jul. de 2014

107. EDUCAÇÃO PELO MUNDO IV: Rússia: Recuperação de prestígio pela educação.

Seminário do Ministério da Educação Russa

O interessante de conhecer a educação de outra cultura é poder notar as diferenças e semelhanças em relação a nossa e ver o que podemos refletir e aprender.
Nota-se que a Rússia tem como meta a reforma educacional para dar conta da mudança político-econômica e retomar o prestígio mundial. Até 2021 todas as escolas terão que adotar os princípios educacionais estabelecidos pela nação, com foco tanto na prática pedagógica quanto na formação docente. Parece óbvio repensar a educação junto com tal formação, mas nem sempre se vê por aí ou por aqui. Nos pressupostos da reforma, percebe-se, entre outros, muita influencia dos princípios educacionais finlandeses, bem como de Paulo Freire, citado nos seminários organizados pelo Ministério da Educação da Rússia.
Mas que mudanças investem ou já adotam?
O papel do professor foi revisto para dar conta deste novo contexto. Os professores devem ter formação pedagógica com educação continuada a cada três anos. E aqueles sem experiência  tem um tutor para ajuda-los no saber fazer pedagógico. Aqueles com menos formação trabalham com as crianças pequenas, o que na minha opinião é um grande erro, visto que a base do desenvolvimento se dá na educação infantil, e portanto, onde deveriam estar os mais preparados e os mais experientes.
Se antes a meta era fazer o aluno confortável e cômodo à escola, agora tratam de fazer a escola confortável e cômoda ao aluno, desenvolvendo-lhe o interesse por estudar. Perceberam que não basta conhecer, mas sim ensinar o aluno a aprender a aprender. Desenvolver-lhe a capacidade de identificar e aplicar na prática o conteúdo aprendido, bem como relacionar a matérias. (Bravo!) Citam como exemplo a matemática que sempre foi muito forte entre eles. Hoje cuidam para que as regras se apliquem no mundo real dando maior sentido. E transparecem que o maior orgulho deles está na escola primária onde já ensinam através do aprender a fazer fazendo. Todavia é mais fácil neste nível de ensino, onde os conteúdos são mais básicos e os alunos menos condicionados. Contudo, seguem em desafio.

A escola deve ainda dar ênfase na  comunicação, aumentando a capacidade linguística dos alunos, a segurança, dando espaço para  que defendam seus pontos de vista e não se acanhem na resolução de novos problemas. 
Alunos apresentando-nos o sistema educacional russo.
Dar voz e vez ao aluno é realmente uma grande quebra de paradigma entre eles, mas necessária nos novos tempos. Contudo, na prática, percebi os professores muito arraigados num modo de fazer, com pouca fluidez e espontaneidade, e com um olhar sobre os alunos, que sem dúvida os intimidava. Claro, leva tempo mudar comportamentos tão incorporados, tanto em alunos quanto em professores. Mas pareciam dispostos a tal.
Alunos apresentando os livros lidos.
Plateia não tão animada.
À escola cabe ainda utilizar-se do método da problematização com base na metacognição, que consta em desenvolver nos alunos a faculdade de conscientizar, analisar e avaliar como se conhece, e pensar sobre o próprio pensamento. Concordo com a escolha. E, como é um método relativamente novo a eles, os melhores professores ensinam aos demais as competências necessárias para tal, multiplicando este novo jeito de ensinar e aprender. Há ainda um espaço virtual criado para que todos da comunidade educativa, inclusive os pais, possam interagir, estudar e aprender.
Aluno demonstrando as suas descobertas.
A escola deve ainda Introduzir novas tecnologias ao processo educacional, mas sem deixar de incentivar os trabalhos manuais. Também desenvolver nos alunos diversas competências, usar os diversos sentidos e diversificar tecnologias para as aprendizagens. E isto realmente vi na prática. Estão aprendendo a viver a teoria, enquanto as neurociências aplaudem!
Todavia, se percebi uma prática com ranços do tradicionalismo, percebi um discurso mais renovado. Agora é aguardar prá ver o que será. Mas uma coisa eu sei, é preciso querer caminhar, e caminhar. E isso eles estão fazendo.
Na próxima postagem, leia um presente recebido: tive o privilégio de assistir uma aula na Companhia do Balé Bolshoi. Aguarde.


7 de jul. de 2014

106. EDUCAÇÃO PELO MUNDO III: Algumas curiosidades da educação russa.

Visitamos várias escolas, na maioria públicas, tanto em Moscou quanto em São Petersburgo. Apenas 1 % das crianças estudam em escolas particulares. O ensino pode ser presencial, semipresencial (muito usado por atletas) ou por correspondência (em geral, opção de pais mais progressistas.) Cada escola visitada tinha suas especificidades, mas falemos do geral.
Logo na entrada, via-se vários sapatos pelo chão, pois não se entra na escola com os sapatos vindos da rua, nem na Russia, nem na Finlândia. Nem no verão. 

Chamou-me a atenção, o entusiasmo dos professores e diretores, a vontade de investir em qualidade de ensino e a quantidade de docentes para cada aluno. Em média eram 2,5 alunos por professor. Era frequente ver professores dedicando-se a um único aluno, àqueles com maior dificuldade. 

Vi muitos docentes idosos e era difícil a entrada dos mais jovens. Todavia, há uma mudança na valorização da profissão e as reformas educacionais estão fervilhando. Creio que haverá mudanças neste cenário.

Nos corredores silenciosos e limpos, via-se movimentação organizada, alunos formalmente vestidos e bem comportados.

Há um documento de direitos e deveres dos alunos que constam ainda das regras comportamentais, ditadas sem a participação dos mesmos. Apesar do autoritarismo ainda empregnado, era visível a busca por um ensino e relações mais democráticas. Uma das escolas reforçava o lema: “Valorize a tradição, porém siga em frente!” 

Ao perguntar sobre bulling e desavenças entre os alunos, uma das diretoras responde que hoje as crianças brigam menos, pois estão ocupadas em seus jogos eletrônicos. Esta questão dá pano para mangas!


Era visível, pelas paredes das escolas, a valorização que davam aos seus poetas, cientistas, escritores e o quão priorizam a arte de uma forma geral e incentivam o aluno a tal. 

As escolas respiravam arte, assim como as ruas, repletas de importantes museus, monumentos e belíssimas construções históricas. Sim, a cultura diz de seu povo! 
Catedral de São Basilio- Moscou
Museu Hermitage- São Petersburgo
Palácio de Catarina- São Petersburgo
Pelas salas, via-se aulas de música, desenho, pintura, fotografia, cinema, cerâmica e diversos estúdios. E há muitas apresentações para que os alunos desenvolvam e mostrem os seus talentos, também nos esportes.

Segundo eles, não com o objetivo de que se tornassem estrelas, mas para que tais habilidades pudessem beneficiá-los nas profissões escolhidas. Brilhante pensamento! E no que seria o nosso Ensino Médio, os alunos podem escolher as disciplinas que vão de encontro com a profissão almejada, aumentando seus interesses e melhores condições de êxito no futuro. Vale a reflexão.

Ao perguntar a um grupo de alunos quais as características do bom professor, eles disseram: ele deve gostar dos alunos, ser objetivo, ter boa comunicação, ter a mente aberta, métodos para captar a atenção dos alunos, não ser nem soberbo nem tão brincalhão. Belo recado.
Para concluir, diria que os russos estão atentos e apressados na adaptação dos novos tempos. Tema da próxima postagem. Até lá.